quinta-feira, 9 de novembro de 2017

A geração “floco de neve”: pessoas sensíveis que se ofendem por tudo





Quando imaginamos um floco de neve, nós o associamos à beleza e singularidade, mas também à sua enorme vulnerabilidade e fragilidade. Estas são precisamente duas das características que definem as pessoas que atingiram a idade adulta na década de 2010. Afirma-se que a geração “floco de neve” seja formada por pessoas extremamente sensíveis aos pontos de vista que desafiam sua visão do mundo e que respondem com uma suscetibilidade excessiva às menores queixas, com pouca resiliência.

A voz de alarme, por assim dizer, foi dada por alguns professores de universidades como Yale, Oxford e Cambridge, que notaram que a nova geração de alunos que frequentavam suas aulas era particularmente suscetível, não tolerante à frustração e particularmente inclinados fazerem uma tempestade em um copo de água.

Cada geração reflete a sociedade que eles viveram

Dizem que as crianças saem mais ao padrão da sua geração que aos pais. Não há dúvida de que, para entender a personalidade e o comportamento de alguém, é impossível abstrair do relacionamento que estabeleceu com seus pais durante a infância e a adolescência, mas também é verdade que os padrões e expectativas sociais também desempenham um papel importante no estilo educacional e moldam algumas características de personalidade. Em resumo, podemos dizer que a sociedade é a terra onde a semente é plantada e crescida e os pais são os jardineiros que são responsáveis por fazer crescer.


Isso não significa que todas as pessoas de uma geração respondam ao mesmo padrão, felizmente há sempre diferenças individuais. No entanto, não se pode negar que as diferentes gerações têm metas, sonhos e formas de comportamento característico que são o resultado das circunstâncias que tiveram que viver e, em alguns casos, tornam-se inimagináveis em outras gerações.
Claro, o mais importante é não colocar rótulos, mas analisemos para entender o que está na base desse fenômeno, para não repetir os erros e para que possamos dar a devida importância a habidades de vida tão importantes quanto a Inteligência Emocional e a resiliência.

3 erros educacionais colossais que criaram a geração “floco de neve”

1. Sobreproteção. A extrema vulnerabilidade e escassa resiliência desta geração têm suas origens na educação. Estes são, geralmente, crianças que foram criadas por pais superprotetores, dispostos a pavimentar o caminho e resolver o menor problema. Como resultado, essas crianças não teve a oportunidade de enfrentar as dificuldades e conflitos do mundo real e desenvolver tolerância à frustração, ou resiliência. Não devemos esquecer que uma dose de proteção é necessária para que as crianças cresçam em um ambiente seguro, mas quando impede que explorem o mundo e limite seu potencial, essa proteção se torna prejudicial.

2. Sentido exagerado de “eu”. Outra característica que define a educação recebida pelas pessoas da geração “floco de neve” é que seus pais os fizeram sentir muito especiais e únicos. Claro, somos todos únicos, e não é ruim estar ciente disso, mas também devemos lembrar que essa singularidade não nos dá direitos especiais sobre os outros, já que somos todos tão únicos quanto os outros. O sentido exagerado de “eu” pode dar origem ao egocentrismo e à crença de que não é necessário tentar muito, uma vez que, afinal, somos especiais e garantimos o sucesso. Quando percebemos que este não é o caso e que temos que trabalhar muito para conseguir o que queremos, perdemos os pontos de referência que nos guiaram até esse momento. Então começamos a ver o mundo hostil e ameaçador, assumindo uma atitude de vitimização.


3. Insegurança e catástrofe. Uma das características mais distintivas da geração do floco de neve é que eles exigem a criação de “espaços seguros”. No entanto, é curioso que essas pessoas tenham crescido em um ambiente social particularmente estável e seguro, em comparação com seus pais e avós, mas em vez de se sentir confiante e confiante, temem. Esse medo é causado pela falta de habilidades para enfrentar o mundo, pela educação excessivamente superprotetiva que receberam e que os ensinou a ver possíveis abusos em qualquer ação e a superestimar eventos negativos transformando-os em catástrofes. Isso os leva a desejarem se bloquear em uma bolha de vidro, para criar uma zona de conforto limitado onde eles se sintam seguros.

Para entender melhor como a educação recebida afeta uma criança, é importante ter em mente que as crianças procuram pontos de referência em adultos para processar muitas das experiências que experimentam. Isso significa que uma cultura paranóica, que vê abusos e traumas por trás de qualquer ato e responde com sobreproteção, gerará efetivamente crianças traumatizadas. A forma como os adultos enfrentam uma situação particularmente delicada para a criança, como um caso de abuso escolar, pode fazer a diferença, levando a uma criança que consegue superar e se torna resiliente ou uma criança que fica com medo e torna-se uma criança vítima

Qual é o resultado?

O resultado de um estilo de parentesco superprotetivo, que vê o perigo em todos os lugares e promove um sentido exagerado de “eu”, são pessoas que não possuem as habilidades necessárias para enfrentar o mundo real.

Essas pessoas não desenvolveram tolerância suficiente à frustração, então o menor obstáculo os desencoraja. Nem desenvolveu uma Inteligência emocional adequada, então eles não sabem como lidar com as emoções negativas que certas situações suscitam.

Como resultado, eles se tornam mais rígidos, se sentem ofendidos por diferentes opiniões e preferem criar “espaços seguros”, onde tudo coincide com suas expectativas. Essas pessoas são hipersensíveis à crítica e, em geral, a todas as coisas que não se encaixam na visão do mundo.

Também são mais propensos a adotar o papel das vítimas, considerando que estão todos contra ou equivocados. Desta forma, eles desenvolvem um local de controle externo, colocando a responsabilidade sobre os outros, em vez de se encarregar de suas vidas e mudar o que podem mudar.

O resultado também é que essas pessoas são muito mais vulneráveis ao desenvolvimento de transtornos psicológicos, do estresse pós-traumático à ansiedade e à depressão. Na verdade, não é estranho que o número de transtornos de humor aumente ano após ano.



Fonte:
Mistler, BJ et. Al. (2012) The Association for University and College Counseling Center Directors Annual Survey Reporting. Pesquisa do AUCCCD ; 1-188

Este artigo foi publicado originariamente no site Rincón Psicología e fora livremente adaptado pela equipe da Revista Pazes.

sábado, 28 de outubro de 2017

Reformado ou Reformando: com o que nos parecemos?




Como cristãos reformados, frequentemente somos questionados por aqueles de fora da Fé Reformada: “O que significa ‘reformado’?”. Muitas respostas breves estão disponíveis, a maioria das quais enfatiza alguma relação com o movimento protestante europeu do século XVI e a sua teologia. Mas o que pensamos de nós mesmos quando pensamos na palavra “reformado”? Há uma tentação entre alguns de nós quanto a romantizar o período histórico da Reforma e pensar nele como o nosso ideal. Pode ser um problema para nós pensarmos no termo “reformado” como antigo e no tempo pretérito. Isso pode levar cristãos reformados do século XXI a uma visão de certa forma distorcida dos objetivos atuais da igreja.

Não devemos pensar na Reforma como simplesmente uma foto de alguma era dourada do cristianismo, que deve ser replicada pelos cristãos e igrejas do século XXI. Antes, devemos pensar na Reforma como sendo mais semelhante a um filme ainda em processo de ser filmado. Embora possamos honrar, admirar e concordar com muitos cristãos reformados que viveram nos últimos cinco séculos, nosso objetivo como cristãos reformados hoje não é uma mera duplicação do passado. Crescimento significa mudança, e a América do século XXI tem mudado consideravelmente em comparação aos séculos XVI e XVII na Europa. Os princípios e a teologia da Reforma Protestante têm permanecido relativamente constantes. Contudo, as questões dos nossos dias e a aplicação desses princípios e teologia mudaram em muitos aspectos.

Somente a Escritura permanece como a pedra angular da Reforma então e agora. Ela é “a única regra de fé e prática” para todos os homens, em todos os tempos e em todos os lugares. Todavia, as Escrituras são impressionantemente adaptativas no que concerne à aplicação dela a nós mesmos, nossas famílias, nossas igrejas e nossa cultura. A Bíblia nunca está fora de moda. Por exemplo, Efésios 5.25 nos instrui: ‘Maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela”. É provável que todo marido cristão tenha algumas formas únicas de demonstrar o seu amor à sua esposa que difiram daquelas de outros maridos cristãos. Contudo, todo marido cristão, aplicando e adaptando a Palavra de Deus para satisfazer as necessidades de sua esposa, pode cumprir as exigências bíblicas de amar a sua esposa. Além domais, o mesmo é verdadeiro no que concerne a outras áreas da vida e do ministério. Há multidões de maneiras através das quais podemos honrar e aplicar a Escritura imutável a um mundo sempre em mudança.

A própria natureza da reforma é que ela é um processo que nunca tem fim. Há duas razões óbvias para isso. Primeiro, como homens pecadores estamos frequentemente errados em nosso entendimento da Escritura e como ela deve ser aplicada. De fato, há somente um significado objetivo da Palavra de Deus, tendo sido transmitido infalivelmente a homens. Contudo, embora a transmissão da Bíblia seja clara, sua recepção por homens caídos, mesmo os redimidos, não é sempre tão clara. Como cristãos crescemos em nosso entendimento da verdade objetiva da Escritura e passamos a ver áreas de prática incorreta ou conduta pecaminosa. Como resultado, devemos continuamente reformar (i.e., conformar aos padrões escriturísticos). A menos que sejamos perfeitos em nosso entendimento e conduta, o processo de reforma nunca deve cessar, seja pessoal ou corporativamente.

Em segundo lugar, a Reforma é um processo que nunca tem fim porque o mundo ao redor de nós está em estado constante de mudança — somente Deus não muda. Em princípio “não há nada novo debaixo do sol”; todavia, na aplicação há novas ideias, práticas, tecnologias, questões e desafios que continuamente nos confrontam como cristãos. Podemos estar lutando as mesmas antigas batalhas, mas o inimigo está usando novas táticas e armas em seu ataque. Se não estivermos atentos a essas mudanças em nossa cultura, não podemos esperar contemplar uma vitória em nossos dias. Dentro dos limites das Escrituras, cristãos enquanto indivíduos e as igrejas devem continuamente reformar suas táticas e práticas sempre que necessário, a fim de enfrentar os desafios dos nossos dias. Não podemos voltar aos “bons velhos dias” — Deus os colocou no passado.

Contudo, Deus nos colocou no século XXI como soldados de Jesus Cristo para lutar as batalhas presentes com armas de ponta. Os Reformadores dos séculos anteriores usaram as armas de seus dias para alcançar a sua geração com o evangelho. Palestras, pregação, debates públicos, universidades e testemunhos pessoais eram todos os meios de comunicar-se verbalmente com o mundo deles. O uso da imprensa e da distribuição maciça de tratados, livros e Bíblias foram também meios eficazes de espalhar a Palavra. Grandes obras de arte surgiram, e até mesmo o cântico congregacional foi uma inovação da Reforma (Martinho Lutero escreveu hinos usando a música folclórica popular do seu tempo). Os cristãos estavam com frequência na vanguarda do uso de novas ideias e tecnologias.

Da mesma forma, devemos fazer uso desses métodos de comunicar o evangelho que os nossos irmãos nos legaram. Além do mais, devemos também fazer uso dos novos métodos que estão disponíveis a nós. Temos áudio, vídeo, rádio, televisão, computadores, internet e transporte rápido. Deveríamos encorajar o uso desses meios juntamente com o desenvolvimento de novas ideias e tecnologias. Como cristãos reformados deveríamos estar liderando o caminho no desenvolvimento de arte e música bíblicas que permeiem a nossa cultura com o sal e a luz do evangelho.

O perigo de uma reforma estagnada é real. Mesmo em igrejas reformadas podemos ser tentados a dizer: “Até aqui e não mais”. A Igreja da Inglaterra fornece um exemplo vívido desse conservadorismo antibíblico e sufocante. Quando paramos de reformar paramos de viver e começamos a morrer. A vida é um processo de constante mudança chamado crescimento ou maturidade, e reforma é vida porque ela nunca cessa de aplicar a Palavra viva a todo o mundo ao redor de nós.

Certamente devemos ser cautelosos à medida que avançamos. Não queremos mudar simplesmente para estar mudando. É possível mudar de algo bom para algo ruim, ou de algo ruim para algo pior ainda. Toda ideia deve ser testada pela Escritura somente. Contudo, nem a preferência pessoal nem a tradição deveriam ficar no caminho da reforma bíblica. O medo de “ao que isso poderia levar” (a “falácia da ladeira escorregadia”), ou o fato que outros poderiam abusar da boa ideia muitas vezes nos impedem de avançar com a reforma e satisfazer as necessidades e desafios dos nossos dias. Todavia, se a Escritura permanece firmemente como nosso perímetro, então podemos avançar com segurança, conhecendo as limitações da nossa mudança. Devemos avaliar os riscos, tomar as precauções devidas para assegurar a aderência à Palavra de Deus, e então avançar com expectativa confiante das bênçãos de Deus. Caso contrário, permaneceremos presos em casa, com medo do futuro.

Se a reforma há de continuar (i.e., viver) em nossos dias, então devemos permanecer sobre os ombros das gerações de reformadores que vieram antes de nós e chegar mais alto. Nossa geração deve ser mais do que tropas ocupacionais. Devemos ser isso, mas deveríamos ser muito mais — ainda há praias a serem invadidas — a guerra não terminou. As gerações que nos seguem enfrentarão novos desafios à sua fé e novas batalhas a serem travadas. Devemos levantá-los e apoiá-los, fornecendo um firme fundamento sobre o qual eles possam construir. Nossa tarefa não é subjugá-los, mas dirigi-los e incentivá-los. As implicações da Fé Reformada para o mundo de amanhã não podem ser vistas por nós. Nosso mundo muda a uma velocidade ofuscante. A próxima geração de reformadores não é uma ameaça para nós, mas deveria ser uma ameaça para o mundo de amanhã.

Lutero disse: “Se declaro com a mais alta voz e a mais clara exposição cada porção da verdade de Deus, exceto aquela pequena porção que o mundo e o diabo estão atacando nesse momento, eu não estou confessando a Cristo, não importa quão ousadamente eu possa professar a Cristo. O soldado não é constante no campo de batalha se ele foge naquele único ponto”. A reforma não acabou. Ela continuará até o fim do mundo. A reforma é sobre o futuro, não apenas sobre o passado, e devemos olhar para frente, com a expectativa de ver Deus operar em nossos dias como Ele o fez no passado. Não devemos ser simplesmente reformados, mas cristãos reformando num mundo em mudança.


Fonte: Covenant Media Foundation


Veja o artigo original em:
 http://monergismo.com/robert-randy-booth/reformado-ou-reformando-com-o-que-nos-parecemos/

sábado, 8 de abril de 2017

Não Entre na Cabana



Albert Mohler – A Cabana: O fim do discernimento evangélico

O mundo editorial vê poucos livros alcançarem o status de blockbuster, mas A Cabana, de William Paul Young já ultrapassou esse ponto. O livro, originalmente auto-publicado por Young e mais dois amigos, já vendeu mais de 10 milhões de cópias e foi traduzido para mais de trinta línguas. Já é um dos livros mais vendidos dois últimos tempos, e seus leitores são muito entusiasmados.

De acordo com Young, o livro foi escrito originalmente para seus filhos. Essencialmente, a história pode ser descrita como uma teodicéia narrativa – uma tentativa de responder às questões sobre o mal e o caráter de Deus por meio de uma história. Nessa história, o personagem principal está enfrentando grande sofrimento após o seqüestro e homicídio brutal de sua filha de sete anos, quando recebe um convite que se torna um chamado de Deus para encontrá-lo na mesma cabana onde sua filha foi assassinada.

Na cabana, “Mack” se encontra com a divina Trindade: “Papa”, uma mulher afro-americana; Jesus, um carpinteiro judeu; e “Sarayu”, uma mulher asiática revelada como sendo o Espírito Santo. O livro é na maior parte uma série de diálogos entre Mack, Papa, Jesus e Sarayu. Essas conversas revelam um Deus bem diferente do Deus da Bíblia. “Papa” é alguém que nunca faz algum julgamento e parece muito determinado em afirmar que toda a humanidade já foi redimida.

A teologia de A Cabana não é incidental na história. De fato, em muitos pontos a narrativa parece servir apenas como estrutura para os diálogos. E os diálogos revelam uma teologia que é, no mínimo, inconvencional e indubitavelmente herética sob alguns aspectos.

Enquanto o dispositivo literário de uma “trindade” incomum das pessoas divinas é em si mesmo sub-bíblico e perigoso, as explicações teológicas são piores. “Papa” fala a Mack sobre o momento em que as três pessoas da Trindade “se manifestaram à existência humana como o Filho de Deus”. Em lugar algum da Bíblia se fala sobre o Pai ou o Espírito vindo à existência humana. A Cristologia do livro é semelhantemente confusa. “Papa” diz a Mack que, mesmo Jesus sendo completamente Deus, “ele nunca dependeu de sua natureza divina para fazer alguma coisa. Ele apenas viveu em relacionamento comigo, vivendo da mesma maneira que eu desejo viver em relacionamento com todos os seres humanos”. Quando Jesus curou cegos, “Ele o fez apenas como um ser humano dependente e limitado, confiando em minha vida e meu poder trabalhando nele e através dele. Jesus, como ser humano, não tinha poder algum em si para curar qualquer pessoa”.

Há uma extensa confusão teológica para desbaratar aí, mas é suficiente dizer que a igreja cristã tem lutado por séculos para ter um entendimento fiel da Trindade para evitar exatamente esse tipo de confusão – um entendimento que põe em risco a própria fé cristã.

Capa do livro “A Cabana”, de William P. Young

Jesus diz a Mack que é “a melhor forma para qualquer humano se relacionar com Papa ou Sarayu”. Não o único caminho, mas apenas o melhor caminho.

Em outro capítulo, “Papa” corrige a teologia de Mack ao afirmar “Eu não preciso punir as pessoas pelo pecado. O pecado é a própria punição, te devorando por dentro. Não é meu propósito puni-lo; minha alegria é curá-lo”. Sem dúvida alguma, o prazer de Deus está na expiação alcançada pelo Filho. Entretanto, a Bíblia revela consistentemente que Deus é o santo e correto Juiz, que irá de fato punir pecadores. A idéia de que o pecado é meramente “a própria punição” se encaixa no conceito oriental de karma, não no evangelho cristão.

O relacionamento do Pai com o Filho, revelado em textos como João 17, é rejeitado em favor de uma igualdade absoluta de autoridade entre as pessoas da Trindade. “Papa” explica que “nós não temos nenhum conceito de autoridade final entre nós, apenas unidade”. Em um dos parágrafos mais bizarros do livro, Jesus fala para Mack: “Papa está tão submisso a mim como eu estou a ele, ou Sarayu a mim, ou Papa a ela. Submissão não tem a ver com autoridade e não é obediência; tem a ver com relacionamentos de amor e respeito. Na verdade, somos submissos a você da mesma forma”.

A submissão da trindade a um ser humano – ou a todos os seres humanos – teorizada aqui é uma inovação teológica do tipo mais extremo e perigoso. A essência da idolatria é a auto-adoração, e a idéia de que a Trindade é submissa (de qualquer forma) à humanidade é indiscutivelmente idólatra.

Os aspectos mais controversos da mensagem do livro envolvem as questões de universalismo, redenção universal e reconciliação total. Jesus diz a Mack: “Aqueles que me amam vêm de todos os sistemas existentes. São Budistas ou Mórmons, Batistas ou Muçulmanos, Democratas, Republicanos e muitos que não votam ou não fazem parte de qualquer reunião dominical ou instituição religiosa”. Jesus acrescenta, “Eu não tenho nenhum desejo de torná-los cristãos, mas apenas acompanhá-los em sua transformação em filhos e filhas do meu Papa, em meus irmãos e irmãs, meus Amados”.

Mack faz então a pergunta óbvia – todos os caminhos levam a Cristo? Jesus responde “muitos caminhos não levam a lugar algum. O que significa que eu vou caminhar por qualquer caminho para te achar”.

Dado o contexto, é impossível não tirar conclusões essencialmente universalistas ou inclusivistas sobre o pensamento de William Young. “Papa” diz a Mack que ele está reconciliado com todo o mundo. Mack questiona: “Todo o mundo? Você quer dizer aqueles que acreditam em você, certo?”. “Papa” responde “O mundo inteiro, Mack”.

Tudo isso junto leva a algo muito parecido com a doutrina da reconciliação proposta por Karl Barth. E mesmo que Wayne Jacobson, colaborador de William Young, tenha lamentado que a “auto intitulada polícia doutrinária” tenha acusado o livro de ensinar a reconciliação total, ele reconhece que as primeiras versões dos manuscritos eram muito influenciadas pelas convicções “parciais, na época” de Young na reconciliação total – o ensino de que a cruz e a ressurreição de Cristo alcançaram uma reconciliação unilateral de todos os pecadores (e toda a criação) com Deus.

James B. DeYoung, do Western Theological Seminary, especialista em Novo Testamento que conhece William Young há anos, afirma que Young aceita uma forma de “universalismo cristão”. A Cabana, ele afirma, “está fundamentado na reconciliação universal”.

Mesmo quando Wayne Jacobson e outros reclamam daqueles que identificam heresias em A Cabana, o fato é que a igreja Cristã identificou explicitamente esses ensinamentos exatamente como são – heresia. A questão óbvia é: Como é que tantos cristãos evangélicos parecem não apenas serem atraídos para essa história, mas para a teologia apresentada na narrativa – uma teologia que em muitos pontos conflita com as convicções evangélicas?

Observadores evangélicos não estão sozinhos nessa questão. Escrevendo em The Chronicle of Higher Education (A Crônica da Alta Educação N. T.), o professor Timothy Beal da Case Western University argumenta que a popularidade de A Cabana sugere que os evangélicos talvez estejam mudando sua teologia. Ele cita os “modelos metafóricos não bíblicos de Deus” do livro, assim como o “não hierárquico” modelo da Trindade e, mais importante, “a teologia da salvação universal”.

Beal afirma que nada dessa teologia é parte da “teologia evangélica tradicional”, e então explica: “De fato, todas as três estão enraizadas no discurso acadêmico radical e liberal dos anos 70 e 80 – trabalho que influenciou profundamente a teologia da libertação e o feminismo contemporâneo, mas, até agora, teve pouco impacto nas conjecturas teológicas não acadêmicas, especialmente dentro do meio religioso tradicional”.

Ele então pergunta: “O que essas idéias teológicas progressivas estão fazendo dentro desse fenômeno evangélico pop?”. Resposta: “Poucos de nós sabemos, mas elas têm sido presentes nas margens liberais do pensamento evangélico por décadas”. Agora, continua, A Cabana tem introduzido e popularizado esses conceitos liberais mesmo em meio aos evangélicos tradicionais.

Timothy Beal não pode ser considerado apenas um “caçador de heresias” conservador. Ele está empolgado com a forma que essas “idéias teológicas progressivas” estão “se infiltrando na cultura popular por meio dA Cabana”.

De forma similar, escrevendo em Books & Culture (Livros & Cultura N.T.), Katherine Jeffrey conclui que A Cabana “oferece uma teodicéia pós-moderna e pós-bíblica”. Enquanto sua maior preocupação é o lugar do livro “em um cenário literário cristão”, ela não pode evitar o debate dessa mensagem teológica.

Ao avaliar o livro, deve manter-se em mente que A Cabana é uma obra de ficção. Mas é também um argumento teológico, e isso não pode ser negado. Um grande número de romances e obras de literatura notáveis contém aberrações teológicas e até heresias. A questão crucial é se a aberração doutrinária é apenas parte da história, ou é a mensagem da obra propriamente dita. Quando se fala em A Cabana, o fato mais perturbante é que muitos leitores são atraídos pela mensagem teológica do livro, e não enxergam como ela é conflitante com a Bíblia em tantos pontos cruciais.

Tudo isso revela um fracasso desastroso do discernimento evangélico. É difícil não concluir que o discernimento teológico é agora uma arte perdida entre os evangélicos – e essa perda só pode levar à catástrofe teológica.

A resposta não é banir A Cabana ou tirá-lo das mãos dos leitores. Não devemos temer livros – devemos lê-los para respondê-los. Precisamos desesperadamente de uma restauração teológica que só pode vir através da prática do discernimento bíblico. Isso requer de nós identificarmos os perigos doutrinários de A Cabana, para termos certeza. Mas nossa tarefa verdadeira é reaproximar os evangélicos dos ensinos da Bíblia sobre essas questões e cultivar um rearmamento doutrinário dos cristãos.

A Cabana é um alarme para o cristianismo evangélico. É o que dizem afirmações como as de Timothy Beal. A popularidade desse livro entre os evangélicos só pode ser explicada pela falta de conhecimento teológico básico entre nós – uma falha no próprio entendimento do Evangelho de Cristo. A perda trágica da arte do discernimento bíblico deve ser assumida como uma perda desastrosa de conhecimento bíblico. Discernimento não consegue sobreviver sem doutrina.
Por: Albert Mohler Jr ©. Website: albertmohler.com

Tradução: iPródigo

Leonardo Galdino – Heresias escondidas dentro de uma Cabana

O escritor canadense William Paul Young saiu do anonimato para a fama ao publicar um livro que se tornaria, em muito pouco tempo, um verdadeiro sucesso. Com mais de dois milhões de cópias vendidas e status de best-seller, “A Cabana” tem cativado a mente de muitas pessoas ao redor do mundo, especialmente/inclusive dos cristãos. Em linhas gerais, o livro conta a história de Mackenzie Allen Phillips, o “Mack”, um pai de família que encontra a Deus depois de ter sua filha caçula, Missy, raptada e brutalmente assassinada por um maníaco assassino de crianças (um serial killer). Cerca de três anos e meio depois do ocorrido, Deus, ou melhor, “Papai”, manda uma carta para Mack marcando um encontro com ele exatamente na cabana onde a polícia havia encontrado o vestido usado por Missy todo encharcado de sangue. Mack, depois de lutas intensas consigo mesmo, resolve aceitar o “encontro”, mesmo desconfiando de uma possível cilada do assassino de sua filha. Ao chegar lá, Mack tem uma, ou melhor, três surpresas: Deus lhe aparece na pessoa de uma mulher “negra enorme e sorridente” (pág. 73). Logo depois aparecem o Espírito Santo, na pele de uma mulher asiática, chamada Sarayu, e Jesus, um homem médio-oriental (hebreu, pra ser mais preciso) vestido de calça jeans e camisa xadrez. A partir de então, Mack vai viver uma inesquecível aventura ao lado dessa ilustre “Trindade”.

Qualquer cristão que tenha um mínimo de conhecimento de História da Igreja saberá que A Cabana nada mais é do que o ressurgimento de algumas das antigas heresias que tumultuaram a vida e o andamento da Igreja Antiga, principalmente aquelas que envolviam questões sobre a Trindade. Do ponto de vista teológico, o livro oscila entre heresias implícitas e explícitas; do ponto de vista literário, entre frases de efeito medíocres (quase sempre) e alguns poucos insights interessantes. Seu enredo envolvente propõe-se a apanhar os desavisados.

Não sei qual foi a experiência eclesiástica do autor de A Cabana, mas posso presumir que não foi das melhores. Torna-se patente, em muitas partes do livro, o desprezo pela igreja e pela adoração corporativa, ressaltando-se e a valorização da experiência pessoal, como bem reza a cartilha pós-moderna.

[Mack] Percebeu que estava travado e que as orações e os hinos dos domingos não serviam mais, se é que já haviam servido […] Mack estava farto de Deus e da religião, farto de todos os pequenos clubes sociais religiosos que não pareciam fazer nenhuma diferença expressiva nem provocar qualquer mudança real. Mack certamente desejava mais (pág. 54 – versão digital. Itálico meu).

Parece que a intenção inicial do livro não é a de levar os leitores a uma nova perspectiva sobre a Trindade, e sim, que eles desacreditem da Igreja como sendo a “coluna e baluarte da verdade” (1Tm 3.15) e sigam atrás de outras alternativas de encontrar Deus. Em minha opinião, esse é o maior perigo que o livro oferece.

Quando o assunto, finalmente, é a Trindade, A Cabana traz à tona várias heresias antigas (não pretendo fazer comentários exaustivos sobre todas elas). Como já disse anteriormente, Mack vai à cabana encontrar Deus, que lhe aparece no corpo de uma mulher de pele negra. Logo de cara, vemos a verdadeira alma do paganismo, a saber, materializar Deus dando-lhe alguma forma física. Entendo perfeitamente que se trata de um romance e, como tal, precisa de personagens para dar substância ao enredo. Mas, em se tratando do Senhor Deus Todo-Poderoso, essa regra não deve ser aplicada em hipótese alguma. É exatamente isso que Deus expressamente proíbe no Segundo Mandamento (Ex 20.4-5). Jesus mesmo declarou que “Deus é Espírito” (Jo 4.24). Não devemos emprestar a Deus as formas vãs e tolas que concebemos em nossas mentes pecaminosas (cf. Rm 1).

Uma das antigas heresias às quais me referi há pouco é o Patripassianismo, doutrina monarquianista[1] segundo a qual foi o próprio Deus quem morreu na cruz, em vez de Jesus. Tertuliano combateu esse ensino com bastante veemência. Quando, certa vez, ele disse que “o demônio tem lutado contra a verdade de muitas maneiras, inclusive defendendo-a para melhor destruí-la”, estava se referindo justamente a essa heresia, que estava sendo largamente difundida por Práxeas. Ele continua dizendo que “Ele [o demônio] defende a unidade de Deus, o onipotente criador do universo, com o fim exclusivo de torná-la herética[2]”. Em uma passagem de A Cabana essa heresia é claramente visível:

Papai não respondeu, apenas olhou para as mãos dos dois. O olhar de Mack seguiu o dela, e pela primeira vez ele notou as cicatrizes nos punhos da negra, como as que agora presumia que Jesus também tinha nos dele. Ela permitiu que ele tocasse com ternura as cicatrizes, marcas de furos fundos, e finalmente Mack ergueu os olhos para os dela (pág. 86. Itálico meu).

Embora Jesus seja Deus, sabemos que não foi Deus, o Pai, quem morreu na cruz. Deus não tem as marcas dos pregos em seus punhos, como A Cabana quer que acreditemos. Foi o Seu Filho quem foi crucificado. No afã de ressaltar a unidade da Trindade, o Monarquianismo acabou resumindo tudo a uma só pessoa. Em mais uma declaração claramente sabeliana[3], “Papai” diz a Mack que “quando nós três penetramos na existência humana sob a forma do Filho de Deus, nos tornamos totalmente humanos” (pág. 85). Mas não é esse o ensino bíblico. A Palavra de Deus é bastante clara quando se refere ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo como sendo Pessoas distintas que possuem uma mesma essência (ver Mt 28.29; 2 Co 13.13; 1 Jo 5.7; 2 Jo 3). E o pior de tudo é que, para confundir ainda mais o leitor, “Papai” desdiz tudo o que houvera dito antes, dizendo que

Não somos três deuses e não estamos falando de um deus com três atitudes, como um homem que é marido, pai e trabalhador. Sou um só Deus e sou três pessoas, e cada uma das três é total e inteiramente o um (pág. 87).

Seria algo equivalente à “Metamorfose Ambulante” proposta por Raul Seixas (“eu vou lhes dizer agora o oposto do que eu disse antes”)? Será que dá pra confiar no “Deus” proposto por William P. Young?

Mas os problemas não param por aí. Como se não bastasse, o livro também nega a divindade de Jesus. Em uma conversa entre Mack e Papai, Mack pergunta:

— Mas… e todos os milagres? As curas? Ressuscitar os mortos? Isso não prova que Jesus era Deus… você sabe, mais do que humano?

— Não, isso prova que Jesus é realmente humano.

[Papai continua…]

— Fez isso como um ser humano dependente e limitado que confia na minha vida e no meu poder de trabalhar com ele e através dele. Jesus, como ser humano, não tinha poder para curar ninguém (pág. 90).

Ora, o que temos aqui não é o velho Ebionismo, que pregava que Jesus tornou-se Messias pelo Espírito Santo? Ou, ainda, o Arianismo, que dizia que Jesus era um simples homem elevado a uma categoria superior à dos demais seres humanos? O autor faz um divórcio entre a Humanidade e a Divindade de Jesus quando diz que “Jesus, como ser humano, não tinha poder para curar ninguém”, quando, na realidade, as duas naturezas de Cristo são inseparáveis. Nas palavras de John Stott, “Jesus não é Deus disfarçado de homem e nem um homem disfarçado de Deus”. Ele é Deus-Homem, como bem foi definido em Calcedônia no ano de 451 d.C. E para dar mais ênfase ainda na humanidade de Cristo, a personagem Jesus “deixara cair uma grande tigela com algum tipo de massa ou molho no chão, e a coisa tinha se espalhado por toda parte” (pág. 95), o que rendeu boas gargalhadas a Mack e Papai. Era só o que faltava: um Jesus todo atrapalhado!

O livro prossegue no enredo seguindo a tônica do “o importante é relacionar-se”. Nada de imposições, de regras. Amor pressupõe liberdade. Baseado nesse pensamento o autor constrói, ou melhor, desconstrói a questão da hierarquia na Trindade. É assim que “Jesus” define a questão:

Esta é a beleza que você vê no meu relacionamento com Abba e Sarayu. Nós somos de fato submetidos uns aos outros, sempre fomos e sempre seremos. Papai é tão submetida a mim quanto eu a ela, ou Sarayu a mim, ou Papai a ela (pág. 129 – versão digital).

Sarayu, que personifica o Espírito Santo, diz que a hierarquia não faria sentido entre a Trindade (pág. 112). Como é que fica, então, frases como “Seja feita a vossa vontade”? Não havia uma submissão do Filho ao Pai? Jesus disse que desceu do céu para “fazer a vontade do Pai”(Jo 6.38). A Cabana não se coaduna com a Bíblia aqui.

Outro ponto que chama alguma atenção no livro é a questão da onisciência de Deus. Apesar de em alguns pontos ela ser ressaltada (págs. 81, 147, 148, 174, 192 e 206, e.g.), o livro parece bem confuso neste aspecto. Nas páginas 129-130, por exemplo, Jesus diz que “é impossível ter poder sobre o futuro, porque ele não é real, e jamais será”. Sophia, uma personagem que representa a Sabedoria de Deus (Teosofismo?) diz que Deus não pôde impedir a morte de Missy (pág. 151), e que tal tragédia “não foi nenhum plano de Papai” (pág. 152). Entretanto, mais uma vez ele se contradiz, ao afirmar que poderia ter impedido o que aconteceu a Missy (pág. 204). Os leitores mais familiarizados com as tendências teológicas pós-modernas saberão que isso se trata de Teísmo Aberto, uma doutrina que remonta ao Socinianismo do século XVI. Segundo essa ideia, o futuro não pode ser plenamente conhecido (nem mesmo por Deus!), pois depende das ações dos seres humanos (chamados de “agentes livres”). Isso inclui também as tragédias naturais (como o Tsunami, por exemplo). Se isso é verdade, como é que fica, então, a questão do Dilúvio? E de Sodoma e Gomorra? Não foi o próprio Deus quem orquestrou tudo? Não é justamente isso que Ele diz em Isaías 45.7 (“… faço a paz e crio o mal”)? William P. Young parece não acreditar muito nisso.

A verdade do Evangelho é outra questão que está em jogo em A Cabana. Como diria a máxima modernista, “tudo o que é sólido desmancha-se no ar”. Nada de certezas, convicções. Papai mesmo é quem diz a Mack que “a fé não cresce na casa da certeza” (pág. 176), declaração que faria Brian McLaren e Ricardo Gondim babarem! Sarayu diz: “gosto demais da incerteza” (pág. 190). Em outra ocasião Papai diz a Mack: “Quem quer adorar um Deus que pode ser totalmente conhecido, hein? Não há muito mistério nisso” (págs. 85 e 86 – versão digital). E as farpas contra a igreja continuam. Jesus diz: “não crio instituições” (pág. 166). Logo em seguida, numa declaração hilariante, ele afirma categoricamente: “eu não sou cristão” (pág. 168). Aliás, para esse Jesus, o evangelho não é exclusividade. Diante do pluralismo religioso “Jesus” é bastante inclusivista. Ele mesmo diz que

Os que me amam estão em todos os sistemas que existem. São budistas ou mórmons, batistas ou muçulmanos, democratas, republicanos e muitos que não votam nem fazem parte de qualquer instituição religiosa (pág. 168).

Realmente, para um Deus que disse que “a morte dele [de Cristo] e sua ressurreição foram a razão pela qual eu agora estou totalmente reconciliado com o mundo” (pág. 180 – itálico meu) isso não é problema. Universalismo? Imagina! “Não preciso castigar as pessoas pelos pecados” (pág. 109). “Em Jesus eu perdoei todos os humanos por seus pecados contra mim, mas só alguns escolheram relacionar-se comigo”, disse Papai (pág. 209). Que estranho, não? Todo mundo perdoado e alguns que se relacionam? Bom, se é ele quem está falando, quem sou eu para questionar? No meio de toda essa confusão Mack parecia mesmo estar totalmente perdido. Foi “barrado” inclusive de ter seu momento devocional, quando foi perguntar pelas orações, ouvindo da boca de Papai: “nada é um ritual” (pág. 194). Coitadinho do Mack! Não tinha razão em nada! Mesmo quando pensou em Jesus como referencial de vida, um exemplo a ser seguido, ouviu da boca do próprio: “minha vida não se destinava a tornar-se um exemplo a copiar” (pág. 136). E agora, José, ou melhor, Mack? Caía por terra diante de seus olhos toda a instrução apostólica para que sejamos “imitadores de Deus” (Ef 5.1; 1Pe 1.16).

Ainda não acabou. Falta o “filé mignon”. Que tal uma pitadinha de Espiritismo para temperar nossa estória? Pois é. Mack vê sua filha, Missy! Uau! Que emocionante, hein? Foi Sophia (uma médium?) quem proporcionou esse encontro (pág. 153). E tem mais. Mack reencontra o seu pai (pág. 200), que ele havia envenenado depois de ter levado uma surra que o deixou de cama por duas semanas quando ele tinha apenas 13 anos de idade. Abre parêntese. O pai de Mack era um alcoólatra que batia na esposa, e Mack contou isso a um irmão da igreja da qual seu pai era membro. Fecha parêntese. Esse era um segredo que Mack guardava a sete chaves. Realmente, ele tinha muitas feridas que precisavam ser curadas. Então, por que não fazê-lo com uma sessão espírita? Os dois se abraçaram e fizeram as pazes, com direito a beijinho na boca e tudo (pág. 201). Jesus gosta tanto dessa ideia de beijar na boca que resolve fazer o mesmo com Papai (pág. 205).

Perdoem-me aqueles que ainda não leram o livro, pois revelei muitos dos seus suspenses. Achei por bem não expor absolutamente tudo de errado que encontrei. Expus apenas aquilo que considerei necessário. É perfeitamente compreensível o fato de A Cabanaencabeçar o ranking dos livros mais vendidos[4], afinal de contas as pessoas estão à procura de um “Deus” (deus!) que se ajuste às suas pretensões. O que nos preocupa, entretanto, é saber que dentre os que financiam esse tipo de heresia estão aqueles que se professam crentes em Cristo. Sei que se trata de uma ficção, mas infelizmente não é dessa forma ela tem sido encarada. Perguntado sobre o que ele quer que as pessoas concluam ao lerem A Cabana, numa entrevista, William P. Young declarou que deseja que as pessoas “saibam ou tenham a noção de que Deus é bem maior do que eles já imaginaram”[5]. Lembrando de trechos do livro, sinceramente ainda não consigo enxergar grandeza alguma no “Deus” apresentado por Young. O que vi foi uma divindade deficiente que se curva aos caprichos humanos. Continuo preferindo o Deus que se revelou nas Escrituras. Este sim é a minha Rocha!
“Se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebeste, seja anátema”! (Gl 1.9)

Obs.: As referências tiradas do livro variam entre a versão impressa (Editora Sextante, 2008) e uma versão digital (e-book). Li o livro na versão impressa e fiz minhas anotações, mas devolvi-o ao dono (peguei o livro emprestado!). Depois anotei mais coisas na versão digital. É por isso que eu especifico as páginas e suas respectivas versões quando faço citações.


[1] O Monarquianismo, doutrina desenvolvida no final do século II e início do III, enfatizava tanto a unidade de Deus que acabou se transformando em numa espécie de Unitarismo, negando a realidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo como Pessoas distintas.

[2] Bettenson, H. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo, 2001. Editora Aste, Pág. 81.

[3] Sabélio ensinava que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são uma só e mesma essência, três nomes diferentes para a mesma substância. “Deus se manifestou como Pai no Velho Testamento, depois como Filho para redimir o homem e como Espírito após a ressurreição de Cristo. Não houve, então, três pessoas em Deus mas três manifestações” (Earle E. Cairns. O Cristianismo Através dos Séculos. São Paulo – SP, 1988. Editora Vida Nova, Pág. 83). Esse ensino ficou conhecido como Monarquianismo Modalista.

[4] Segundo a Revista Veja, em http://veja.abril.com.br/livros_mais_vendidos/

[5] http://www.youtube.com/watch?v=EaGMliCxyWY.

Tirado do site Voltemos ao Evangelho